Diariamente somos bombardeados pela mídia com “notícias fabulosas” e “avanços extraordinários” ocorridos no campo da Engenharia Genética – de tal modo somos assolados com este tipo de informações que não raramente esquecemos de dimensioná-los de maneira adequada no nosso cotidiano. Afinal, em que escala estes avanços nos atingem? Exatamente o quê a engenharia genética pode fazer por nós? E quando?
Se você se enquadra no grupo de ouvidos calejados com tantas e variadas notícias sobre biotecnologia, prepare-se: as surpresas realmente não poderiam ser melhores – e mais breves.
Nasce a Engenharia Genética
Se o conjunto de todas as palavras deste artigo correspondesse ao tempo de evolução do Homo sapiens na Terra, a história da descoberta do DNA (ácido desoxirribonucleico) estaria contida na última sílaba da última palavra.
Há 40 anos, a estrutura do DNA estava sendo desvendada, os cientistas ainda discutiam qual seria o número exato de cromossomos da espécie humana, a associação entre a doença de Down e a trissomia do cromossomo 21 era a notícia do momento, e comemorava-se com galhardia os feitos do moderníssimo computador americano de “apenas” 3 toneladas.
Os anos passaram. Hoje, sabe-se que os seres humanos possuem 46 cromossomos e que estes contêm algo em torno de 3 bilhões de pares de DNA capazes de codificar cerca de 100.000 proteínas diferentes. Vários países – o Brasil inclusive – lançaram-se em 1990 em um programa inédito para decodificar estes pares: o Projeto Genoma Humano (PGH).
Todas as doenças possuem um componente genético, seja ele hereditário ou resultante da resposta do corpo a estímulos ambientais como vírus ou toxinas.
O Projeto Genoma Humano permitirá aos cientistas determinar exatamente os erros genéticos que causam ou contribuem para as doenças. Inicialmente, estão sendo definidas as seqüências de bases pareadas de DNA – algo como dar nome às partes de um corpo descomunal.
A etapa seguinte – descobrir as funções de cada uma dessas partes e definir exatamente os efeitos da manifestação de conjuntos delas – é uma tarefa que promete extender-se por boa parte do século XXI.
Ainda que lidando com dados relativamente imprecisos, esta ciência nascente – a Engenharia Genética – está conseguindo produzir sementes que prometem frutos saborosos em um espaço relativamente curto de tempo.
Tratando infartes e curando câncer com vacinas de DNA.
As primeiras conquistas começam vir à tona na disponibilização de novos testes genéticos, possibilitando diagnósticos mais precisos e precoces de cânceres da boca, pescoço, mama, pulmões, pâncreas, rins e colorretal. Uma avaliação e um aconselhamento genético adequados possuem implicações importantes na vida e no eventual tratamento do(s) paciente(s) e de seus familiares.
A comunidade científica ainda discute sobre a melhor maneira de distribuir estes testes e boa parte desta cautela vem da consciência dos aspectos científicos e sociais dessas novas ferramentas. Vários testes já melhoraram significativamente o padrão de vida de muitas pessoas – alguns até contribuíram para salvar vidas – mas os cientistas ainda relutam em dizer como interpretar a maioria deles.
O potencial de se utilizar os próprios genes para tratar doenças – a Terapia Genética – é a aplicação mais formidável da engenharia genética. Ela promete tratar ou mesmo curar doenças adquiridas ou de cunho genético utilizando genes normais para substituir ou suplementar um gene defeituoso ou melhorar a imunidade (por exemplo, uma droga estimulará o sistema imune a combater de maneira mais eficaz um determinado tipo de tumor).
Os primeiros alvos da terapia genética em seres humanos foram a medula óssea, os pulmões, o coração, a musculatura estriada e o fígado. As doenças mais freqüentemente estudadas são o câncer, a AIDS e a Doença Fibrocística (Mucoviscidose). O primeiro estudo de terapia genética foi realizado em pacientes com deficiência de adenosina-deaminase. Eles receberam genes que aumentavam a produção da enzima deficiente e os resultados foram razoáveis.
A promoção da revascularização de tecidos isquêmicos em portadores de doença arterial coronariana e de doenças vasculares periféricas é o campo mais promissor, atualmente, da terapia genética. São injetados no paciente cápsulas virais contendo genes que intensificam a produção de fatores teciduais estimuladores do surgimento de novos vasos sangüíneos (angiogênese).
Com isso, os genes inoculados favorecem o desenvolvimento de vasos na área infartada, reduzindo as lesões decorrentes da falta de sangue. Os testes foram um sucesso em modelos animais. Possivelmente esta será uma das primeiras aplicações incontestáveis da terapia genética – os experimentos conclusivos devem ficar prontos nos próximos 2-3 anos.
As vacinas de DNA podem carrear genes de diferentes cepas de um determinado agente causador de doença (patógeno), imunizando contra todas elas simultaneamente – algo bastante útil quando se luta com microorganismos altamente mutáveis, como o vírus Influenza (da gripe) e o HIV.
Como se isto não bastasse, utilizando pequenas vesículas de gordura (chamadas lipossomos) e, principalmente, vírus (retrovírus como o próprio HIV ou o vírus da herpes), os cientistas estão criando a chance de um milagre.
Genes inoculados no corpo com injeções intramusculares de vírus geneticamente modificados poderão sensibilizar o sistema imune contra a presença de células cancerosas. As próprias células de defesa irão aniquilar o tumor. Testes nestes sentido já se encontram em fases avançadas em pacientes com tumores malignos da próstata, por exemplo.
Extrapolando conservadoramente para o futuro
A clonagem de um ser humano já é possível – na verdade, este experimento já pode estar ocorrendo secretamente. No futuro, corações e fígados serão feitos sob encomenda para transplante a partir de células-tronco do próprio doador.
Vacinas genéticas aumentarão nossa massa muscular – a Universidade da Pensilvânia já trabalha com ratos cujos membros musculosos foram criados com o uso de injeções similares.
Outras vacinas oferecerão imunidade perene contra HIV, Hepatite B, herpes, gripe, malária e diversos tipos de câncer – uma vacina poderá ser a diferença entre a cura e a recorrência de um tumor maligno, com boa margem de segurança.
Genes administrados através de gomas de mascar diminuirão o timing das nossas células, introduzindo ganhos expressivos de qualidade e quantidade de anos de vida.
A terapia genética é uma promessa que ainda não se cumpriu, é verdade. Mas nos insucessos, várias – e preciosas – lições foram aprendidas. O mais aconselhável, neste momento, não é mais pensar SE a terapia genética funciona, mas QUANDO ela realmente funcionará.
À medida em que os cientistas avançam na engenharia genética e desvendam minuciosamente o funcionamento e os mecanismos que estimulam o sistema imune, melhores versões e usos da terapia genética tendem a surgir. O futuro está apenas começando.